segunda-feira, 24 de maio de 2010

União Europeia pode viver sem o euro

Entrevista com professor de Economia da Univerisity of Califórnia e da Columbia University

sobre a crise na União Europeia...muito boa!!!!!

Abraços a todos

Marcos L.


A atual crise fiscal na Europa é resultado de um grande erro de avaliação das autoridades financeiras da União Europeia e da falta de consistência na fiscalização dos orçamentos dos países do bloco, na opinião do economista americano Albert Fishlow, professor emérito da Univerisity of Califórnia e da Columbia University, em Nova York, onde dirige o Center for Brazilian Studies e o Institute for Latin American Studies.

Segundo Fishlow, depois da eclosão da crise financeira nos Estados Unidos, em setembro de 2007, o foco dos reguladores europeus ficou voltado apenas para o desempenho das economias da Alemanha e da França, as maiores da União Europeia. Isso, segundo ele, fez com que os riscos que o bloco corria em virtude da deterioração da situação fiscal de países como Grécia, Itália, Espanha, Portugal e Irlanda fosse minimizado pelos reguladores.

Em entrevista ao iG, Fishlow avalia que as medidas adotadas para conter o colapso financeiro nos Estados Unidos estão começando a surtir efeito. Mas segundo ele, a dependência da China para financiar o deficit americano pode implicar em uma alta na taxa de juros para oferecer um melhor prêmio ao investimento chinês em títulos do tesouro americano.

Para Fishlow, o Brasil tem condições de continuar crescendo a uma taxa de 5,5% ao ano, mas será necessário ampliar a taxa de poupança interna, para reduzir a dependência do capital externo para financiar grandes investimentos em infraestrutura. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

iG: As autoridades financeiras, bancos e agências de classificação de risco erraram novamente suas projeções, a exemplo do ocorreu na crise nos Estados Unidos em 2007, ao não prever o colapso fiscal em alguns países da zona do euro e suas conseqüências negativas para a economia mundial?

Albert Fishlow: De certa forma houve uma lentidão na tomada de decisões pelas autoridades financeiras da Europa. Ninguém estava olhando bem a magnitude do problema do deficit fiscal em alguns países. Fora da Europa não havia muita preocupação com a Grécia, que foi uma das responsá veis por deflagrar a crise na zona do euro, por que o país está sujeito às regras do sistema econômico da União Europeia. No entanto, verificou-se tardiamente a fragilidade dos fundamentos econômicos da Grécia e a grande magnitude da dívida, que alcança cerca de 120% do PIB. Essa situação extrapola muito os parâmetros estabelecidos para um país pertencer ao sistema do euro.


iG: Antes do início da crise o Fundo Monetário Internacional (FMI) havia revisto as projeções para a Europa e a sinalização para o desempenho da economia na região era bastante positiva. Houve excesso de otimismo?
Fishlow: Depois da crise financeira nos Estados Unidos, que também afetou as principais economias da Europa, a preocupação estava concentrada na saúde financeira da Alemanha e da França. Mas havia um problema nas margens desses dois países e não foi dada a devida importância. Faltou consistência na fiscalização dos gastos e dos orçamentos dos países da União Europeia por parte das autoridades do bloco. E o desequilíbrio, apesar de estar localizado na Europa, tem conseqüências em todo o mundo.

iG: Como o senhor avalia as medidas adotadas pela Alemanha para tentar frear determinadas operações financeiras com títulos de países da zona do euro?
Fishlow: O euro teve nos últimos meses uma boa valorização em relação ao dólar e o mercado então estava reagindo e operando nessas condições de mercado. Precisa haver um melhor balanço entre as economias do bloco. Há um cenário com grande superavit em conta corrente na Alemanha e vai se balanceando isso com os déficits dos demais países. O alemão gosta de vender seus produtos ao países do bloco, mas não quer um equilíbrio de forças, oferecendo subsídios. É preciso que exista um cenário com um maior equilibro para evitar distorções na economia.


iG:Qual o futuro da moeda comum europeia e da unidade econômica do bloco?
Fishlow: É preciso diferenciar o que é o euro do que é a União Europeia. A União Europeia é um projeto desenvolvido ao longo de muitas décadas e que continuará a existir mesmo que o euro um dia deixe de circular. A idéia de ter uma moeda única capaz de rivalizar com o dólar como reserva de valor para o mundo é importante, mas não é fundamental para a existência da União Econômica.

iG: A economia americana tem mostrado sinais positivos na sua avaliação?
Fishlow: As medidas implementadas logo após as eleições presidenciais no fim de 2007 para combater a crise financeira e seus impactos estão começando a produzir efeitos positivos na economia. Os especialistas estão mais otimistas do que três meses atrás, por exemplo. Tanto que as projeções para o crescimento da economia americana no ano já estão na faixa de 3,5%, enquanto a previsão para a Europa no mesmo período é de retração.

iG: A desvalorização do euro e a apreciação do dólar pode atrapalhar a trajetória de recuperação da economia americana?
Fishlow:
A apreciação do dólar não ajuda os Estados Unidos. Além dos efeitos sobre o deficit em conta corrente americano, os Estados membros da Europa e os demais países, muitos dos quais com fortes relações comerciais com os Estados Unidos, ficam mais competitivos no mercado internacional com suas exportações em uma moeda menos valorizada que o dólar.

iG: Mas há impactos positivos como uma menor pressão inflacionária.
Fishlow:
O dólar valorizado contribui, por exemplo, para a estabilidade na cotação do barril do petróleo, e os americanos estão entre os maiores consumidores desse produto. Isso gera uma menor pressão inflacionária doméstica nos Estados Unidos e a manutenção do índice em um patamar baixo.

iG: Com uma projeção mais positiva para a economia americana, será necessário rever a política de juros nos Estados Unidos?
Fishlow:
A taxa de juros hoje é a mais baixa da história do país e varia entre 0% e 0,25% ao ano. Aumentar os juros tem implicações negativas para o crescimento e para a dívida do país. Mas por causa do aumento da defict americano e a grande dependência da China, que financia boa parte dessa dívida a taxa terá que ser revista em breve. A China tem reservas internacionais na casa de US$ 2,3 trilhões, sendo boa parte em títulos do tesouro dos Estados Unidos e em moeda americana. E os chineses vão exigir uma melhor remuneração para os títulos americanos que possui. Há previsões de que a taxa de juros possa chegar a até 4% após uma consolidação da recuperação nos Estados Unidos.

iG: Países emergentes como o Brasil serão afetados com essa revisão dos juros nos Estados Unidos?
Fishlow:
É provável que sim. Mas a taxa de juros no Brasil, que está em 9,5% ao ano, também apresenta uma tendência de alta e isso deve continuar colaborando para atrair capital para o Brasil. Mas para diminuir a dependência dos recursos do exterior para viabilizar os investimentos necessários ao desenvolvimento do País, é preciso ampliar o volume da poupança interna, que ainda é muito baixo.

iG: Como o senhor avalia os números recentes sobre o desempenho da economia no Brasil?
Fishlow:
Acho que alguns podem se enganar ao fazer planos e investimentos no Brasil, achando que a economia pode sustentar um crescimento de 7% ao ano com uma taxa de investimento baixa. Essa não é uma realidade sustentável. Há um excesso de otimismo. Um crescimento mais factível para o Brasil nos próximos anos é algo na faixa de 5% a 5,5%. Mas a taxa de investimento precisa crescer no setor produtivo e na área de infraestrutura.

iG: O Brasil está mostrando que está em melhores condições para enfrentar as turbulências na economia. Como o senhor vê o País no atual cenário?
Fishlow: O governo tomou medidas acertadas, como os incentivos fiscais e o estímulo ao consumo que proporcionaram um bom desempenho da economia após o início da crise nos Estados Unidos. A arrecadação federal vem aumentando. Mas é preciso dosar essas medidas. O corte no orçamento de R$ 10 bilhões, anunciado pelo governo, não pode comprometer os investimentos se o país quiser continuar crescendo. É necessário também manter o rigor com o lado fiscal.